quinta-feira, 29 de abril de 2010

SEGUNDO DANUZA, UMA MULHER INTELIGENTE

O maior dom
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Cultivar o que temos de mais precioso, a "unicalidade", para se destacar num mundo em que todos estão iguais
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QUERER melhorar de vida, sonhar com coisas um pouco acima de nossas possibilidades, é normal, e até saudável; afinal, quem não deseja ter o iPod novo, aquele que ainda não foi lançado? Até eu.
Mas não há nada pior do que perceber aquele brilho -o brilho da cobiça- no olhar de pessoas que passam a vida querendo mais, sempre mais, fazendo tudo para ter o que ouviram falar que é o melhor da vida. Algumas dessas coisas são até bem boas, mas se a vida fosse fácil, bastaria ter muito dinheiro, escolher sempre o mais caro, encher a geladeira de caviar e champanhe e ser feliz (eu tenho um amigo que quando está num restaurante de um país do qual não fala a língua, pede o prato mais caro; segundo ele, deve ser o melhor).
Com uma certa cultura -não necessariamente a dos livros, mas se tiver lido alguns, melhor ainda-, uma certa vocação para o bom gosto e alguma sensibilidade, é só olhar em volta com atenção, mas não só com os olhos; para aprender, é preciso usar os cinco sentidos e sobretudo os outros, aqueles que não têm nome. A maioria prefere comprar pronto: abre o jornal, lê as críticas dos filmes e das peças e vai com a opinião já formada, sabendo se vai ou não gostar. E quando comenta o espetáculo, fala dos cenários, da direção de arte, da luz e da fotografia com as palavras certas, aquelas que leu no jornal.
Raro é encontrar alguém que tenha uma opinião pessoal -mesmo errada- sobre seja lá o que for. Todos gostam das mesmas grifes, dos mesmos restaurantes, dos mesmos roteiros turísticos, das mesmas músicas; suas casas são iguais, os carrões e relógios os mesmos, e nunca ouviram falar que dr. Lúcio Costa teve durante anos um velho e elegante Austin; aliás, que carro não seria elegante tendo dr. Lúcio como dono?
Como seria bom encontrar alguém que reconheça não haver grande diferença entre as praias do Nordeste e os famosos mares da Indonésia (só os hotéis), e que entre pegar uma ponte aérea ou uma carona num jatinho, é mais fácil pegar a ponte, até para poder escolher o horário mais conveniente.
Uma pessoa que não tenha medo de ser politicamente incorreta, que se diga francamente pró ou contra qualquer coisa, contanto que seja seu pensamento, não o que ficou combinado, que não pensa igual, que tem coragem de confessar não só sua ignorância quanto a certos assuntos, como a coragem de discordar da opinião geral e dependendo dos argumentos, voltar atrás e concordar.
Convenhamos que está cada dia mais difícil. O mundo e as pessoas estão a tal ponto iguais que não tem mais graça (quase) pegar um avião e ir para outro continente, comprar a mesma camiseta e o mesmo tênis; a camiseta que agora qualquer camelô vende, com etiqueta e tudo, tem graça? Só se valoriza o que é único: o vestido, o diamante, a fivela de tartaruga loura verdadeira, comprada numa feira de antiguidades, que você não empresta, não dá e não vende (de antes do projeto Tamar, claro).
Cada pessoa é única, e é por aí que acontece o amor; ela é única em seus traços físicos, em sua inteligência, em sua personalidade. É só cultivar o que temos de mais precioso, essa "unicalidade", para se destacar num mundo em que todos estão cada vez mais iguais.
Não é uma questão de ser mais, nem de ser diferente: apenas de ser única.


P.S.: Inesquecível, d. Marisa Letícia recebendo a Ordem do Rio Branco por serviços prestados à nação. E isso, calada: imagina se falasse.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 24 de abril de 2010

Errata

Errar, todo mundo erra. Eu postei há poucos dias uma mensagem sobre os meus sessenta anos e citei Michel Ferré em lugar de Léo Ferré. Foi um engano sério, pois não se pode perder a interpretação de erré em "Avec le temps ".

léo ferré - avec le temps

BOOK

AVEC LE TEMPS. traducão

Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Nós esquecemos a face e a voz
O coração,quando bate mais depressa,não é mais pela
dor da partida
E descobrimos mais adiante que se você não se importar
e deixar como está,tudo irá bem

com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora

Aqueles que nós amamos,que nós procuramos debaixo da
chuva
Aqueles que nós reconheciamos só com um olhar
Entre palavras,entre linhas,e debaixo da maquiagem
Como um juramento escondido que foi adormecido
Com o tempo,tudo desaparece

Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Até as mais maravilhosas memorias,até aquelas
No corredor eu imaginei nos raios da morte
Sabado a noite,quando a bondade está completamente
sozinha,por conta propria

Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
Aquele por quem nós choramos,serviu só para nos dar
dores de cabeça,e para mais nada.
E aquele que nós demos fôlego e jóias
E vendemos nossa alma,por somente alguns centavos
Por aqueles que nós sofremos,como cães
Com o tempo,vai,tudo vai embora

Com o tempo
Com o tempo tudo vai embora
Nós esquecemos das paixões e nos esquecemos das vozes
Que te falavam as palavras das pessoas pobres
Então não chegue muito tarde,para não ficar resfriado

Com o tempo
Com o tempo,vai,tudo vai embora
E nós nos sentimos cansados como um cavalo perdido
E nós nos sentimos presos em um lugar perigoso
E nós nos sentimos completamente sozinhos,e isso já
não é tão doloroso
E nós sentimos que nós nos perdemos nos anos que se
passaram,então realmente
Com o tempo nós deixamos de amar.

By Wêmily

sexta-feira, 23 de abril de 2010

ANTIGO OBITUÁRIO ( 1928 )

 
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IRINÊO AMARAL

 
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IRINÊO AMARAL

Irinêo Amaral

Olhem o senhor desta foto. Foi meu avô paterno, Irinêo Amaral. Ele morreu com um ano a mais do que eu tenho hoje. A diferença é que naquele tempo ele era um velho e vetusto senhor, e eu sou jovem ainda, como as pessoas de minha idade hoje. Decidi escrever sobre isso agora à noite quando passei os olhos pelo armário de livros na sala e vi a foto de meu avô. Irinêo teria 143 anos hoje. É isso mesmo, 143. Ele casou muito tarde, com cinqüenta anos. Minha avó tinha somente vinte e ficou viúva uns nove anos depois. O velho Irinêo levou uma bala na cabeça, metido que estava como “Coronel ” das forças revolucionárias do General Netto, mas morreu de uma síncope cardíaca, pois não se cuidava muito e era diabético. ERa um homem muito generoso. Tudo ele comprava duplo, ou triplo. Um martelo, por exemplo, ele ia à ferragem e comprava uma meia-dúzia. Bengalas, chapéus, tudo era assim, contam. Se um amigo gostava de seu chapéu, ele o tirava e dava-lhe de presente. Morreu cedo, mas rico, pois era fazendeiro. Sem ser advogado, mas sendo um homem culto, foi juiz em Santa Vitória do Palmar. Separei acima uma resenha sobre o seu “passamento”, publicada em jornal de Pelotas. É interessante verem-se ali os termos do obituário que começa pelo título: Os Mortos
Velhos tempos...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

RECEITA DE SALADA AO MOLHO DE CURRY

Como eu ando meio parado nas postagens do blog, devido a problemas de tempo, vou começar a dar umas receitas, de vez em quando. Receitas - diz-se - não se dão. Minha mãe, por exemplo, não as dá, a não ser para mim, seu filho cozinheiro ( os outros são todos uns metidos ). E quando insistem, ela as dá com todas as coordenadas inversas, isto é, muito sal, pouca água, pimenta em excesso,etc.,o que resulta numa boa mentira de receita. Mas eu, que gosto de comer bem, e também gosto que meus amigos seguidores do Blog possam também desfrutar de boas comidinhas, dou as receitas, timtim por timtim, preto no branco, sem enganos. Esta que aqui vai é para quem gosta de coisas light, que nem sempre são o mesmo que coisas deliciosas. É um prato muito gostoso. Use sempre pouco curry. Aproveitem.

RECEITA DE SALADA AO MOLHO DE CURRY

Ingredientes:

Na quantidade que quiser, digamos neste caso para umas 4 pessoas,

Abóbora;
Chuchu;
Cenoura;
Batata;
Cebola em rodelas cortadas muito finas;
Pimentão vermelho em rodelas cortadas muito finas;
Aipo;
Ervilhas;
Vagem.
Tudo picado ou cortado e passado na fervura rápida, menos as cebolas e os pimentões, crus.
Os ingredientes devem estar al dente.

Molho:

2 colheres de azeite;
2 colheres de vinagre branco;
4 colheres Maionese Helmann’s;
½ copo de leite, para afinar a mistura, aos poucos, até chegar à consistência desejada;
Uma pitada de curry ( uma colher de chá );
Sal;
Pimenta do reino.
Preparar esta mistura num prato de sopa, com o auxílio de um garfo, pouco a pouco, observando a consistência do molho.

Misturar tudo numa travessa e deixar gelar por 30 minutos.

Servir.

Só mesmo de pelotenses

Fiquei sabendo pelo rádio que os torcedores do Pelotas, ao perderem a taça Fábio Koff para o Internacional, no domingo passado, deram uma salva de palmas ao vencedor. Eu não canso de dizer que gestos assim são, mais do que incomuns, só mesmo possíveis quando oriundos da gente pelotense, conhecida como uma das mais gentis do Brasil. É por isso que Pelotas merece o respeito de todos, impondo-se como uma cidade particularíssima. Para mim, que descendo de pais nascidos lá, e que lá estive por vezes na infância, guardando da Princesa do Sul tão boas lembranças, isso é razão para muito orgulho.

cidade, de Paulo Amaral

 
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cidade, de Paulo Amaral

 
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terça-feira, 13 de abril de 2010

SESSENTA ANOS, HOJE

SESSENTA ANOS, HOJE
SOIXANT’ANS, AUJOURD’HUI
SESSANT'ANNI OGGI
SESENTA AÑOS HOY
SECHZIG JAHRE ALT,HEUTE

No dia de meus sessenta anos, que me parecia no passado ser alguma coisa tão remota, acordei cedo e caminhei por algumas horas. Mais do que o usual. Eu não precisava confirmar a plenitude de minha forma física para este tipo de exercício que faz parte de minha rotina há uns 25 anos. O que precisava era refletir sobre o momento que vivia, as pessoas me homenageando dizendo sobre mim tantas coisas boas que na verdade não sou, e eu tendo de escutar todos aqueles elogios que mais tarde serão repetidos no obituário do jornal. Depois, na noite de minha festa, tive de me emocionar de verdade, porque foi muita a carga de afeto que recebi, sobretudo aqueles depoimentos que ficaram gravados num vídeo que minha filha Laura organizou. Minha filhota Lívia veio de São Paulo, especialmente para preparar a ceia, que esteve magnífica. Meu filho Guilherme recebeu a todos em sua casa. Naquele vídeo estavam velhos e novos amigos trazendo lembranças de fatos que eu já nem lembrava, talvez mesmo por acreditar que, segundo Aristóteles, sessenta anos é a idade em que o homem alcança a plenitude de seu desenvolvimento ( tirante alguns lapsos de memória e algumas dores permanentes nas costas ). Penso que um homem que ama a vida não pode ter idade. Quero dizer, a idade não deve ser para ele um incômodo, principalmente quando tantas pessoas, fazendo críticas à própria idade, estigmatizam a idéia da velhice. Velhice não existe. O que existe é o vazio. Dizem que a sensação de afagar meu rosto é a mesma que passar a mão na bunda de uma criança. Modéstia à parte, isso é a mais pura verdade. Claro que se trata de muita sorte minha, acompanhada de alguns cuidados dermatológicos de minha doutora Olga, mas a observação se estende a todos os conceitos de que poderia tratar aqui para referir estes juízos relativos que as pessoas fazem. Chego aos sessenta anos ocupado com as coisas que gosto: pintar, escrever, cozinhar, receber amigos, aprender idiomas, visitar meus netinhos João e Maria Fernanda, viajar, etc. Tenho alguns planos que não decolam de jeito nenhum, como publicar um livro, apesar de ter material suficiente para dois. Mas não tenho pressa. Afinal Saramago publicou o seu primeiro aos cinqüenta. E de mim, que não sou Saramago, o que podem esperar. Eu não tenho pressa, mas me preocupo. O dia em que queremos realizar algo sempre chega. E se não chegar, era porque a vida estava feita. Beijos a todos.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

de Edgar do Valle

 
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EDGAR DO VALLE E SUAS AQUARELAS

Antes de entrar no texto propriamente dito, vou contar uma breve história acerca do Edgar e sua incursão pela arte. Há exatos 25 anos, escrevi a apresentação de sua primeira mostra, também realizada no Instituto Cultural Norte-Americano. Desde então, ele vive dizendo que a culpa de ter-se tornado um dos melhores aquarelistas gaúchos é minha. Não é. Quisera eu ter tantas culpas boas como esta, e eu ganharia, na verdade, a indulgência plena e a felicidade eterna. O Edgar é bom mesmo nesta técnica difícil pela qual andei nos primórdios de minha carreira como artista, e da qual ( da aquarela, quero dizer ) me afastei por considerá-la muito aprisionadora. Como dizia o Jô Soares num quadro antigo em que representava um exilado: C’est n’est pas pour le bec de quelq’un. Agora vou ao texto sobre esta nova exposição do Edgar.
Alguém poderia dizer que faz vinte e cinco anos que Edgar do Valle pinta as mesmas coisas, isto é, florestas, córregos, o mar..., a Natureza. Penso que é precisamente esta insistência do artista, sempre meticuloso e exato em tudo o que faz ( não esqueçamos que ele também é um dos expoentes da arquitetura brasileira ), é esta pertinácia que o traz agora aos resultados da nova fase que nos apresenta. Digo fase porque, numa carreira de vinte e cinco anos, permite-se o uso desta palavra. Mas referi o termo, pois é, de fato, um novo e marcante momento em sua obra. Basta olhar para estas novas aquarelas, desta vez com mais cuidado, delas se aproximando ao máximo para entender o que mudou neste tempo. Foram duas coisas: de um lado, a perfeição da técnica, algo que seria demodé, acadêmico até, se não fosse raro; de outro, a flagrante busca pelo abstrato, esta gana de voar, revelada agora por manchas ousadas nos horizontes das paisagens, algo que lembra aquelas aquarelas japonesas, que desde sempre se valeram do conjunto deste artifício: purismo de traço e liberdade. As árvores de fundo ganharam mais profundidade pelo jogo de cores, e suas ramas aproximam-se agora de uma renda de volumes aveludados que saltam aos olhos do observador curioso. Porque a pintura de Edgar não é óbvia. Ela é exigente como este artista. Vinte e cinco anos sobre um mesmo tema, em pintura é coisa de oriental, tarefa paciente e duradoura. Permanecem nestes trabalhos os espaços vazios, as “deixas” equilibradamente distribuídas a que me referia em meu texto de 1985, quando da primeira exposição do artista. Elas denunciariam de pronto a veia do arquiteto estudioso dos detalhamentos, mas, neste caso, elas se impõem e compõem o equilíbrio da obra em que a supressão do estímulo possibilita ao espectador fruí-la com maior resultado. Estamos diante do mesmo artista que optou por explorar um mesmo tema, mas ele inegavelmente nos traz agora, ao seu estilo, uma nova lição de beleza.

Paulo Amaral
Outono de MMX

BERNARDO DE SOUZA

 
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A PALAVRA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA

Acaba de sair o livro A PALAVRA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA, organizado por Bernadete Flores Bestane, acerca da extensa obra política de Bernardo de Souza, plasmada em textos e discursos deste verdadeiro homem de Estado. Homens como Bernardo, senhores de coerência e atitudes inatacáveis, há muito já não existem no meio político. Conheci Bernardo de Souza pela primeira vez em Canela, lá pelo ano de 1985, na casa de um amigo comum, o procurador do Estado Manoel André da Rocha. Durante o jantar que foi servido, pouco falei com Bernardo. Nosso encontro fora casual. Lembro que apenas o ouvia, já admirado pela forma com que ele se expressava atrás da barba que na aparência lhe dava muito mais idade do que então tinha. Passados os anos, por uma proximidade muito especial que me levou a Pelotas, a partir de 2004, vim a conhecer o Bernardo, com o qual tive a ocasião de falar, ele prefeito recém-empossado e amado pelo povo daquela terra de gente muito altiva. Sempre que ia a Pelotas por envolvimento em projetos culturais da SECULT, era bem recebido pelo Bernardo – e por sua esposa, Hilda ( outra pessoa muito afetiva ). A confirmação de um diagnóstico de esclerose múltipla fez com que Bernardo – numa atitude mais uma vez coerente – renunciasse ao cargo de prefeito e se recolhesse ao convívio da família para enfrentar a doença na intimidade. Bernardo está ainda muito vivo entre nós. Franzino, esquálido, mas é ainda aquele mesmo gigante. Está em seu olhar plácido, mas atento. De vez em quando o vejo pelo bairro Moinhos de Vento. Conversamos brevemente na forma que ainda seja possível, ele sentado na cadeira de rodas conduzida por uma enfermeira que lhe entende as palavras, e que assim me possibilita captar os sentimentos e as expressões que ainda vivem naquele coração pelotense. Para quem não sabe – dado que o Blog não está restrito ao Rio Grande do Sul – Bernardo de Souza foi o inspirador da LIC ( lei de Incentivo a Cultura ), diploma este que por muito tempo carregou o seu nome ( Lei Bernardo de Souza ), e que foi a semente de tantas outras iniciativas que beneficiaram sobremaneira a área cultural de nosso Estado. Mas não foi só na cultura que se destacou Bernardo. Em Pelotas implementou uma administração popular que é paradigma internacional, referida em projetos de semelhante relevância em cidades do exterior. A obra ora lançada, A PALAVRA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA, deveria ser o livro de cabeceira de nossos políticos brasileiros aos quais tanto têm faltado os bons exemplos de cidadania e probidade.
A PALAVRA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA, organizado por Bernadete Flores Bestane; Contgraf, 486 páginas

segunda-feira, 5 de abril de 2010

AVEC LE TEMPS...

Avec le temps…

Há uma canção francesa chamada Avec le temps, de autoria de Michel Ferré, um dos grandes mitos de nosso ( ido ) tempo. Avec le temps pertence à era mais genuína dos românticos ( não ao Romantismo, que nada tem a ver com os – para sempre – românticos ). Trata-se de uma música sobre a destruição das ternas ilusões que alimentam a construção do homem, perpassando as mais designadas etapas de nossas vidas, principalmente as relações amorosas idealizadas no cadinho do sonho que, como se sabe, é aquilo que menos dura. Delas ( as ilusões ) encarrega-se o tempo de apagá-las. Em alguns casos, muito excepcionalmente, tal não acontece, mas creio que somente na área amorosa. No final da música chega-se à morte - note-se que o autor propriamente não refere isso, mas salienta a decadência irresistível da condição humana, seja ela qual for. Afinal, tudo se vai. A canção está disponível no Youtube, basta entrar no Google, colocar seu nome e aparecerão alguns vídeos com a magistral interpretação do próprio Ferré já no final de seus dias. É de chorar, confesso. A primeira estrofe canta “avec le temps, avec le temps và, tout s’en và...” ( com o tempo, com o tempo vai, tudo se vai...). Lembrei desta canção a propósito de mais um pleito eleitoral para governador que se aproxima, passado o último faz poucos anos. Com o tempo, com o tempo vai, tudo se vai..., inclusive nossa memória sobre fatos que num determinado instante habitam o nosso cotidiano, mas o cotidiano de um mero momento que não sabemos dimensionar, e que termina morrendo na próxima noite de sono. - Você lembra os candidatos à última eleição para governador ? Se a resposta for sim, isto já é um ótimo sinal. Segunda questão: - Você lembra quais as coligações que então foram costuradas pelos candidatos ? Se acertar apenas a coligação dos partidos que apoiaram o vencedor ( desculpem-me, a vencedora ), uma coisa é certa: o Ahlzeimer aí não chega. Você é um raro caso de lucidez. Pois tampouco os candidatos daqueles partidos - acredite se puder - seriam capazes de lembrar com exatidão as “alianças” que construíram em passado muito recente. Para ganhar uma eleição, muitas vezes os políticos não optam por atitudes éticas, sentando à mesa com seus inimigos mais ferozes. Há dois propósitos em comum: vencer primeiro, e dividir o mando, depois. Então, passados alguns meses ou anos, principalmente quando chegam às vésperas de uma nova eleição, estes aliados que estiveram refestelados no poder passam a reconsiderar com muito garbo as diferenças ideológicas que fundaram as bandeiras de suas legendas, as diferenças incompatíveis no jeito de governar e as diversidades em tudo o mais que possam argumentar para, na verdade, num ato de contrição muito pouco legítimo, cuidar da administração básica de uma certa assepsia em suas inconfundíveis caras-de-pau. Rompem-se as alianças, ficam os dedos e a certeza de que toda a história será apagada. E tudo recomeça. Avec le temps, avec le temps và, tout s’en và... Se até o caráter dos homens desaparece, o que desta vida não se vai ?

domingo, 4 de abril de 2010

Joãozinho, o Feliz

 
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A SIMPLICIDADE EM LÚCIA PAIXÃO

Lúcia Paixão apresenta-nos uma pintura limpa e desprovida de qualquer pretensão. Eu a visitei em seu ateliê situado no grande parque de sua casa, na verdade um paraíso que só poderia transmitir-lhe a placidez da natureza que a cerca, reverberando sobremaneira em seu trabalho a simplicidade das linhas e das cores, tão características de seus quadros. São peças muito bem construídas e equilibradas sobre o suporte, que lembram um pouco de Miró, artista que ela admira, aquele Miró que repetia riscos quase infantis, pequenas curvas culminando em pontos que uma vez colocados sobre a tela dispensavam palavras ao espectador. O uso simplificado das cores da palheta de Lúcia, basicamente as primárias, preenche o minimalismo do traço, nascendo daí a imagem abstrata. Por vezes, vêem-se degradés numa busca mais profunda pelo volume, mas também vazios de tinta ( “deixas” ) a que se permitem os pintores com maturidade. A artista revela uma atitude serena em seu trabalho, apresentando outra característica importante que é a unidade do conjunto. Ela tem se fixado em momentos que, mesmo não se constituindo em fases - para dispensarmos este cansado jargão da crítica -, inegavelmente confessam a continuidade de um labor diário, um caminho sem começo nem fim do qual a artista desconhece a distância, como quem não tem pressa no fazer, mas, não menos, como quem se entrega a uma solene tarefa atemporal. Sua arte, assim, flui como um pensamento leve, desprovido de obstáculos, de cargas externas que nela a artista não quer depositar. Em suas telas de grandes formatos permanece esta ordem simples, talvez o motivo maior de sua beleza.


Paulo C. Amaral
Outono de MMX

de Lúcia Paixão

 
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Rue Foyatier, Paris, outono

 
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Estações

Di solito, como dizem os italianos, acordo muito cedo e leio ( na verdade passo os olhos ) o jornal, até encontrar a seção de palavras cruzadas na qual me “ atraco ” que nem merda em tamanco... Curiosamente, talvez pelo fato de não permitir tempo para uma transição saudável, nunca decifro a charada ali, num primeiro instante. Mais tarde, depois do café, os neurônios recompostos, por assim dizer, eu mato a grade. Mas hoje, mais do que minha busca usual pelsa palavras cruzadas, deparei pela janela da sala com o horizonte cinzento, não tão próprio do outono, mas do inverno mesmo. E lembrei das “águas de março fechando o verão “’. A alternância das estações traz uma sensação sempre nova, quase doce como o recomeçar. E nesta semana em que completo meus sessenta anos, vejo que a existência é na verdade um ciclo que desconhece o relógio, os marcos oficiais que delimitam o tempo. A existência é o que dela fazemos dentro de nós. E a idade não avança.

sábado, 3 de abril de 2010

city nowhere, pintura recente

 
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Maria Fernanda

 
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Agora um pouco de crítica:

Editado recentemente, o livro A GRANDE FEIRA, de Luciano Trigo, é uma pérola para quem acha que não entende nada sobre arte - e para quem pensa que entende, também.
Fiz uma resenha que apresento aqui. Curtam!

A GRANDE FEIRA
Pode um enorme tubarão cortado ao meio e imerso num tanque transparente com formol ser uma obra de arte ? A resposta é sim. Esta obra de arte pós-moderna, de autoria de Damien Hirst, foi vendida por doze milhões de dólares ao administrador de fundos americano Steve Cohen. Dois anos depois, ela iniciou um processo de decomposição, Cohen secretamente procurou o vendedor, ambos negociaram a substituição do peixe, e nada mais se falou sobre o assunto. O livro de Luciano Trigo inicia com este comentário e atravessa suas 240 páginas escritas com clareza, indignação e humor destilando críticas ácidas contra aquilo a que o autor denomina “o clube ”, fruto de uma aliança entre investidores, curadores, diretores de museus, conselheiros de entidades, marchands, galeristas e, é claro, “artistas”, todos trabalhando em nome de um mercado fictício que em algum momento eclodirá como uma nova bolha especulativa no mercado. Esta nova ordem surgiu nos estertores do modernismo, na década de 70, quando o dinheiro parou de correr atrás da arte, dando lugar a um movimento inverso – e perverso -, incentivado por marchands como Charles Saatchi, o vendedor do tubarão e criador de Damien Hirst, a criatura. Passamos à era da arte por designação, isto é, artista é aquele que vem a ser ungido pelos membros do clube. Sua arte não necessita recorrer a fundamentos técnicos e muitas vezes é elaborada por terceiros, como numa cadeia produtiva, por instrução do artista eleito e protegido. Para o autor, a responsabilidade sobre esta indigência cultural da artre deve-se a um conjunto de fatores que se ajustam em conveniência de interesses ( iniciando, é claro, pelo dinheiro) com o respaldo da ausência de uma crítica consciente e capaz de dissertar sobre o objeto tangível e contemplável da criação, evitando qualquer julgamento que não seja elogioso aos propósitos do sistema. Esta arte tomou espaço nos museus que, em geral encontrando-se à míngua pelo descaso do Estado, prendem-se ao sistema que lhes alcança o capital em troca da chancela oficial. É a nova academia. Segundo Trigo, que bate forte e com algum exagero no neo-liberalismo, “ antigamente a posse de uma obra de arte dava respeitabilidade ao dinheiro dos muitos ricos; hoje é o dinheiro dos muitos ricos que dá respeitabilidade à obra de arte”. Fica, assim, no cenário da espetacularização das mostras em geral, difícil para o público contestar qualquer tipo de obra ungida por um sistema quase ditatorial a que os museus – entidades ratificadoras de valores estéticos - dão apoio irrestrito. E a crítica ausente – ou cooptada -, e os membros do clube felizes e contentes, ficamos todos bem assim, num “ me engana que eu gosto ”. Em relação a exemplos desta arte, por vezes grotesca, desrespeitosa e repleta de apropriações banais, que bem revelam a ausência da mínima meditação, o autor recheia o livro com imagens de algumas obras enigmáticas, a mais reveladora delas uma fotografia de 1936, de autoria de Walker Evans, apropriada posteriormente, e exatamente idêntica ao original, duas vezes, em 1979 por Sherrie Levine, e em 2001 por Michel Mandiberg. Trigo, jocosamente, mais uma vez dela se apropria ele mesmo em seu livro, em 2009, com sua assinatura e o comentário: “por que eles podem e eu não ? ” Insiste o autor no fato de que boa parte da arte pós-moderna só existe a partir de referências, isto é, ela não se alça por si própria, constituindo um discurso repetitivo sobre o óbvio –ou o nada - muitas vezes repleto de gracinhas de mau gosto, como a instalação La Nona Ora, de Maurizio Cattelan, mostrando o Papa João Paulo II caído com seu cajado ao chão após ter sido atingido por um meteoro. Dedica um capítulo intitulado “ A falência da crítica de arte ”, que talvez seja a lição mais útil do livro, afirmando que os poucos críticos que ainda existem seguem a linha de texto “ não me comprometa”, repleto de descrições redundantes que desembocam num discurso tedioso e vazio, isso quando não se limitam a reproduzir ipsis litteris os releases enviados pelos próprios artistas. A leitura de “ A grande feira ” permite ao leitor, sem nenhum constrangimento, discernir por que ele “ não entende ”, exposta numa galeria ou num museu, uma instalação composta de uma sala branca e vazia em que habitam inexplicavelmente uma bola de futebol presa a um fio pendente do teto sobre um monte de serragem, ou de qualquer outra coisa, até estrume. Basta escolher.



A GRANDE FEIRA - Uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea
Luciano Trigo, 239 páginas
Rio de Janeiro – Record, 2009

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Finalmente. Foi por insistência de BÍPEDE FALANTE, DEPÓSITO DO MAIA e TERRÁQUEO que hoje abro meu Blog DORAVANTE BRASIL. Há uma explicação para o nome: eu queria dar ao Blog a palavra da lígua francesa ( ma preferée ) que mais gosto, Désormais. Significa Doravante. Mas Doravante, palavra isolada, ao menos em português, ficaria muito estranho. Doravante o quê ? Então pensei num nome grande: Brasil. Acho que em termos psicanalíticos isso quer dizer que deposito muita esperança em meu país de muitas cores, a terra da qual me afastando de vez em quando, mais consigo valorizar e à qual mais desejo retornar. Sempre. É assim que começo esta aventura inspirada por BÍPEDE FALANTE, DEPÓSITO DO MAIA e TERRÁQUEO, compulsivos frequentadores destas páginas modernas. Muito obrigado a eles.