quarta-feira, 4 de abril de 2012

AQUELES NAVIOS PARAGUAIOS

Eu sou contra a retirada daqueles dois navios paraguaios que resistem em nossa orla há já uns quinze anos. Parecem decadentes, como se diz de tudo o que seja velho. Parecem ser desbotados, com suas torres de tintas descascadas, enferrujadas, carcomidas pelo tempo. Dizem que não somos nós, mas estes barcos que poluem o porto da cidade, embora eu não acredite no verdadeiro impacto que isso possa causar diante de tantas outras mazelas ao nosso redor. Suas torres, vistas daqui do meio da rua, ou por quem chega à cidade pela rodoviária, mais ou menos elevadas segundo a maré, ainda nos permitem lembrar que por trás daquele muro horrendo da Avenida Mauá existe um rio chamado Guaíba. Um rio que mesmo crianças de rua do Centro Histórico mal conhecem. Um rio que mesmo adultos já não vêem. Um rio que muitos já esqueceram. Querem vender os navios como sucata. Querem que se os talhem de vez com o maçarico, querem negociar as suas partes. Para que o aço ressurja um dia, quem sabe nos corpos de outras naves modernas, mas que serão apenas naves modernas, sem passado, sem história, sem alegrias e sem dores. Não se fazem mais navios como aqueles paraguaios, em nada falsos. São de uma natureza poética tão sentida como a da época em foram erguidos. São tão nobres que carregam nomes de brigadeiros. Não, não se os destruam. Navios são como charutos. Nunca se os apagam de um golpe. Ao invés, se os deixam morrer por si, depositados gentilmente em cinzeiros. Eles precisam fenecer com a dignidade de um velho guerreiro que por toda a vida serviu ao seu senhor. Deixem aqueles navios ali para que afundem, pouco a pouco, um milímetro a cada dia. E ao final, quando suas torres não mais se sustentarem sobre os cascos corroídos, que elas adernem à nossa vista acostumada só a ver as coisas cotidianas, habituadas a calcular os dividendos da sucata, nossas mentes incapacitadas de enxergar poesia no estertor dos ferros. Deixem aqueles navios ali, que eles ainda têm muito a nos dizer sobre a decadência que nós somos.