segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Lembranças de Paris

Encontrei, em meio a coisas que escrevo quando viajo, um pequeno texto, provavelmente produzido num bistrô qualquer após o jantar e uma garrafa de vinho em novembro de 2005. Tem a ver com estas expulsões absurdas de estrangeiros, pelo presidente Sarkozy, um pequeno da política européia.

" Sob um frio intenso e ao sabor do vento génant, os parisienses fazem pouco das condições climáticas para viver o que na verdade está dentro deles: a liberdade, a civilidade e, é claro, o charme. Em Saint Germain de Prés, na frente da igreja, uma banda de estudantes, provavelmente universitários, fazem a alegria dos turistas e dos nativos da cidade. Mães desfilam com seus bebês empacotados em roupas e metidos em sleeping bags e com gorrinhos de lã. Tudo se move rápido aqui. Paris não descansa, e por isso jamais morrerá. Mas tem um custo alto para os que estão sós. A solidão. Paris tem este dom inverso, o de desmanchar a oportunidade da alegria para o viajante solitário. É uma cidade em que não se pode estar só. É talvez a mais dura cidade para se viver em tal condição. Nada resolve este drama, nem mesmo a noção de civilidade e de urbanidade, que em parte alguma do mundo se conhece como aqui. Hoje, no metrô, entrou um jovem carregando o lastro de uma cama de solteiro, algo em torno de 1,80m por 0,90m. Como eu estava no final do vagão, encostado à parede, ofereci a ele o lugar para apoiar aquela peça. Ele me agradeceu e seguiu o meu conselho. Onde se vê isso ? O mais importante é que ninguém deu bola para o fato. Porque há gente que carrega malas, carrinhos, carroças, até. E ninguém se apercebe dos fatos que, afinal, à Paris, estão longe de ser insólitos. É que, na alma de um provinciano do RS, mesmo viajado como eu, remanesce esta parcela atávica de uma consideração sobre estes fatos que dos vivem na metrópole como se dela se nutrem. Bicicletas presas aos ferros nas entradas dos metrôs, carros estacionados em parte sobre as calçadas, gente fumando nos ambientes internos, combinações sobre regras e planos atávicos, sem palavra, sem gesto, mas apenas com o franco desejo de liberdade. Só em Paris. A mesma Paris que depois de reconstruída pelos imigrantes, sobretudo os pieds-noirs, deseja pela via política expulsá-los, não mais da cidade, mas do país em que se encontra a cidade luz. Sempre encontram motivos e razoes inexplicáveis, e inaceditáveis. Saudades de Miterrand, o Napoleão de nosso século, construtor dos monumentos dos museus, dos símbolos da pátria livre e aberta para um mundo universal".

2 comentários:

  1. Paulo, esse texto deixa bem claro o bom e inteligente observador que você é!

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  2. Paulo,

    Pude ver cada cena, sentir junto contigo o que se passou nesse dia. Ler o teu texto foi quase uma lembrança, pois já senti algo muito parecido, estando só em Paris. Abraço.

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