segunda-feira, 11 de junho de 2012

O QUE SERÁ AMANHÃ ?

De viagem a Brasília no final de semana pude viver uma prévia idéia do que teremos, já na Copa das Confederações, como ambiente de recepção a estrangeiros em nosso país. Será com certeza um espetáculo patético, a começar pelo atendimento nos aeroportos, assunto que tem sido para lá de comentado. Após meu desembarque em Brasília, passaram-se 45 minutos até que as primeiras bagagens de passageiros aparecessem na esteira. Perguntei a uma atendente da companhia aérea o porquê daquela demora, ao que ela respondeu passivamente que a companhia estava priorizando as conexões. Ou seja: uma explicação em nada satisfatória ou condizente com os avanços que permitiram ao mundo moderno, com regular conforto, o deslocamento aéreo de multidões de pessoas no menor tempo possível. Ao menos em outros países. Uma explicação ingênua, neste caso, pois a moça que deu a resposta em nada se sentiu envergonhada ou constrangida, muito possivelmente porque ela foi plantada ali naquela função sem conhecer o resto das atividades do aeroporto em que trabalha. Um autômato, um robô, como estes de call centers, que limitam-se a responder friamente com frases feitas, industrializadas e normatizadas em incompreensíveis manuais de imbecilidade. Dias depois, na volta a Porto Alegre quase fui impedido de embarcar porque reclamei com veemência da falta de sinalização com referência ao meu vôo. Na grande tela indicadora de embarques estava marcado o portão 10. Chegando lá, verifiquei que algumas pessoas se deslocavam para o portão E, num pavimento abaixo, mas não ouvi nenhuma informação sonora, o que obrigatoriamente deve acontecer, e em mais de um idioma, nestes casos. Então soube que um atendente da companhia teria passado pelo portão 10 e informado que o embarque seria no portão F. Assim, quem não estivesse ali no momento, ou quem não fosse privilegiado em receber aquela informação, teria que adivinhar que o embarque seria em outro lugar, pois mesmo depois da informação de cocheira o grande painel de embarques continuava informando a mesma posição. Mais tarde, já inseguro e de olho no portão F, ouvi uma voz que convidava os passageiros ao portão E, cuja placa sinalizadora, logo acima, indicava um vôo para Porto Alegre, mas este de outra empresa. Com dúvida, aproximei-me para verificar se era aquele o meu vôo, e soube que sim. Foi aí que reclamei sobre a placa sinalizadora do portão, totalmente em desacordo com os dados de meu vôo, e o atendente do embarque, autoritário, me disse que a placa não tinha nada a ver... E foi aí que eu perdi todo o resto de minha fleuma digna das tradições do Itamarati, e soltei a voz e o grito indignado frente àquela informação absurda; e foi aí que o atendente, segurando o meu ticket em sua mão, ameaçou: “Olha, cuidado !, assim o senhor não vai embarcar...” Disse isso umas três vezes em frente umas cinqüenta pessoas enquanto eu reclamava, e chegou a espichar o tom ameaçador do “Óóóóó’lha...”; e foi aí que eu tomei raivosamente o tíquete de sua mão e embarquei no ônibus, não sem antes chamá-lo estrondosamente de palhaço. Do que me arrependo. Apenas em parte. Alguém falou que eu poderia ser retirado do avião logo depois. Fiquei lá esperando – e torcendo – para que isso acontecesse. Daria um bom processo, e quem sabe, de lucro, alguma nota no Fantástico, o que sempre ajuda nesses casos. Agora eu pergunto o que teria feito um estrangeiro num caso desses. A quem recorreria ? E, se quisesse reclamar, como o faria ? O atendente que não conhece a função da placa sinalizadora sobre o portão, com mais certeza ainda não saberá se comunicar numa língua estrangeira básica, o inglês ou o espanhol. A poucos meses destes eventos espetaculares que receberemos, não houve treinamento nem para casos operacionais ordinários como os que relatei. Imaginem o que deve estar acontecendo com o ensino de idiomas às pessoas que receberão estrangeiros em nossos portos, porque idioma não se aprende em cursinho de um mês ou de um ano. Idioma é um conhecimento muito especial, que depende de vontade e aptidão, de treino e de tempo...que não temos mais. Mas o que mais me preocupa acerca de tudo isso, é que não penso serem estas questões e tantas outras passíveis de solução por este ou por aquele governo. Acho que este desleixo faz parte do caráter brasileiro, aquela história do jeitinho que no final tudo resolve, tudo vai dar certo. O ministro Mantega que o ensine, com aquela sua ovóide cara de pau. Há alguns anos vai periodicamente à televisão para anunciar com sua voz monocórdia as previsões econômicas mais otimistas para o semestre. Não sei onde ele encontra tanto ânimo para aquilo. Ao reaparecer, explica que as metas não foram atingidas por esta ou aquela razão, sempre de origem externa, isto é, nós não temos nada a ver com superveniências, afinal somos um país soberano. De certa forma, Mantega nada mais faz do que a humilde atendente da esteira de embarque do aeroporto de Brasília: como um títere, repete explicações incompreensíveis e inaceitáveis, mas que nossa condição impotente obriga-nos a aceitar passivamente. Quando ousa um pouco mais, o ministro nada mais faz do que o atendente do portão de embarque: ele desdenha e ameaça a economia mundial, passando por cima de regras internacionalmente aceitas como a placa sinalizadora do portão de embarque.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

SOBRE COLIGAÇÕES

Somente com um pouco mais de idade a gente começa realmente a perceber o raciocínio dos políticos em geral, e este aprendizado se dá em especial nas proximidades das eleições, quando eles costuram coligações as mais esdrúxulas imagináveis, unindo a extrema direita e a extrema esquerda, por exemplo. Ideologia para quê ? E depois que são eleitos, deixam de cumprir não só as promessas de campanha, mas também os compromissos futuros assumidos sob juras de amor com seus parceiros de chapa, apenas visando ao próximo pleito dali a dois anos. Casamento para quê ? E com esta idade que a gente só adquire com o tempo ( que é o óbvio ululante ), produz-se simultaneamente um grande milagre que nos faz um misto de sábios e condescendentes com essas coisas da política, milagre este que instilado em anos e anos de surdas decepções terminam por nos tornar refratários a elas, pois os assuntos mais relevantes para nós passam a ser nossa saúde e nossos remédios, nossos netos e o futuro deles, a sobrevivência do planeta para que eles possam desfrutá-lo -, enfim, todas essas coisas que remetem a um futuro em que já não estaremos por aqui, mas que será o tempo de nossos legados genéticos, os quais, restando em nosso lugar, viverão as mesmas coisas que vivemos, pois tudo se repetirá, e que assim seja. Só por isso eu diria que acredito em Deus. Tenho certa pena de meus descendentes, mas a vida prova ser um milagre constante em cada um de nós. Um dia sempre conheceremos a razão de cada acontecimento. À medida que escrevo isso, confesso que me sinto um pouco inútil, para não dizer um redundante boring em relação ao leitor que me lê, independentemente da idade que ele possa ter. Mas esta sensação de impotência - e aqui está o número mais interessante do circo -, não se produz mais a cada notícia dessas coligações absurdas (para não dizer espúrias, em alguns casos), por exemplo. Na verdade ela constitui já um fóssil que passou a construir-se de forma velada e gradativa em minha memória de eleitor desde os dezoito anos até hoje. Não sei quantos foram os pleitos desde então, mas lembro que sempre votei acreditando em dias melhores, e que a cada vez formei minha opinião sobre políticos a partir de suas atitudes de vida pública, antes e depois das eleições, sempre - e principalmente - focando em suas manifestações externas de coerência. E nunca deixarei de votar. Direi que, malgrado a abertura deste texto, não estou decepcionado com a política, pois conheço gente muito séria nesta área, muita gente digna de respeito e admiração. Admiro profundamente políticos em quem não votaria apenas por suas opções ideológicas, diversas da minha, mas que apresentam uma postura exemplar, com início, meio e fim, não importa a bandeira que defendam e a forma como o fazem. Por vezes deparo com algum deles nas ruas, nos parques ou em recepções, e digo-lhes exatamente isso, sem nenhum constrangimento. Acho que aprendi a exercer uma sábia serenidade neste campo, inclusive sobre as coligações de que falo, porque em matéria de política, nada neste mundo vai mudar como eu gostaria. Se nem na Europa e nos Estados Unidos acontece, por que seria diferente aqui ? O apetite do poder político é um tema mundialmente conhecido, em alguns países mais do que em outros, e no Brasil, de forma muito especial. Deus e o diabo andam sempre juntos nessas horas.

Notas sobre a obra de Arthur Bispo do Rosário

Algumas notas sobre a obra de Arthur Bispo do Rosário(*) Em 1938, duas noites antes do Natal, Arthur Bispo do Rosário é tomado por uma aparição. Nela, surgem sete anjos azuis, e Arthur Bispo interpreta ser ele próprio o enviado de Deus à terra, encarregado de julgar os vivos e os mortos. Aguarda, pelo resto da vida, o momento supremo do encontro com Deus. A partir de então inicia sua grande obra de reunião de significados (oferendas), que deverá portar aos umbrais da eternidade, vestindo o principal deles, o chamado Manto da Apresentação. É um enviado, segundo crê, investido desta grande tarefa que o ocupará até o fim de seus dias, a partir de desiderato divino. Negro, pobre e discriminado, de pronto é enviado a um hospício do Rio de Janeiro, e pouco depois, diagnosticado esquizofrênico-paranóide, internado na Colônia Juliano Moreira. Conta, então, trinta anos. E ali passará boa parte do resto de sua vida, até falecer, em 1989, com oitenta anos de idade. Produziu uma obra extensa, marcada, resumidamente, de um lado pela elaboração de assemblages, técnica que consiste em reunir objetos, agregando-os entre si, de modo a conferir-lhes significados, e, de outro, pela execução sistemática do coser de frases e mensagens, predominantemente na cor azul ( a cor celeste, divina, reveladora da pureza da Virgem Maria, da qual Arthur era devoto ), com linhas extraídas do desfiado de uniformes de mesmo matiz, descartados na colônia manicomial. Arthur Bispo do Rosário não soube, assim como a crítica de arte não reconheceu a justo tempo, que foi ele o primeiro grande artista brasileiro contemporâneo, adiantando-se mesmo a Lygia Clark e Hélio Oiticica, sendo estes mais conhecidos, ainda que mais jovens, por terem tido suas obras largamente exaltadas pela mídia. A obra de Bispo, interno de um manicômio, ao contrário, só viria ao conhecimento público muito mais tarde. Não se estabelece aí, entretanto - em minha opinião -, uma comparação valorativamente equilibrada, pelo fato de que Bispo é um artista cuja criação advém de estímulos blindados por sua reclusão. Criou - se pudermos classificar assim -, uma arte disponível, isto é, trabalhava com os materiais que encontrava ou explorava nas precárias condições de internação, que conheceu em períodos alternados por cinco décadas de sua vida (de 1938 a 1964, de forma intermitente, e de 1964 até 1989, ano de sua morte, de forma definitiva ). Estes elementos não eram adquiridos por encomenda organizada que lhe oportunizasse opções amplas para criar, mas os únicos disponíveis dentro de seu mundo de confinamento no manicômio. Na metódica construção de sua obra, Bispo apropria-se, assim, não de matéria-prima convencional, mas apenas daquela rarefeita e existente em seu pequeno universo geográfico, a Colônia Juliano Moreira. E em sua cela, para onde traz estes elementos, assim como um avaro guarda o seu tesouro num esconderijo, cria o seu mundo artístico particular, redundante de si mesmo em dimensões, mas vasto em seu afã de liberdade. Com tais elementos, preciosidades raras num universo de confinamento, Bispo construiu – assim penso - sua “fórmula” de pulsão de vida. Botas de borracha, colheres, xícaras, pedaços de madeira e tecidos serviram de matéria-prima de uma arte que não se pode classificar por representação, mas, em essência, uma arte construtivista, digna de Torres Garcia, Braque e Joan Brossa, apenas diferente em sua mensagem. Se em Torres Garcia encontramos uma mensagem semelhante àquela do espectador consciente, descritiva da urbe, por exemplo ( La ciudad sin nombre ), ou se em Joan Brossa percebemos um exercício irônico e iconoclasta, em Bispo deparamos com um discurso vocativo, profético e apocalíptico fundado na premissa divina de sua função terrena. A arte construtivista é erigida a partir de materiais naturais e sintéticos oferecidos pela industrialização, isto é, uma arte já em alguma extensão feita, sendo que seu significado nascerá, desde o princípio, da gênese mesma do objeto, ou de uma diretriz visualmente construída pela união, junção e superposição de materiais que já trazem consigo parte intrínseca da mensagem. Nela, o artista necessariamente “dialoga” com o material, que utiliza de acordo com suas vivências, sua memória emocional e sensorial. Estes materiais não deixaram de significar para Bispo os seus verdadeiros aliados, seus companheiros de existência, seus filhos diletos. Lembremos que o artista “conversava” com suas obras antes que estas itinerassem por exposições. Advertia-as a se comportarem e não sucumbirem às tentações mundanas. Lembremos também que em Bispo do Rosário não tratamos de Arte Bruta, tão característica dos psicóticos. O artista conserva noções de perspectiva e fundamentos da arte convencional, sem que ela propriamente assim possa ser considerada. Bispo tampouco freqüentou sessões de terapia ocupacional, a exemplo de integrantes do Museu do Inconsciente ( vide Nise da Silveira ), e nunca submeteu-se a qualquer análise. Sua arte é plenamente idiossincrática; não representa a academia, não tem a ver com quaisquer movimentos em voga de seu tempo, não é perpassada por influências de modismo ou mercado, e o próprio Bispo não se considerava artista. Recluso em manicômio a grande parte de sua existência, Bispo do Rosário é um autóctone de seu próprio território mental, puro em si mesmo, e, talvez por isso, como acreditava, produziu uma obra igualmente pura, digna de Deus. É também a obra de Bispo, em largo senso, estruturalista, pois utiliza a palavra, não a dita ou tradicionalmente escrita, mas aquela meticulosamente bordada em sentenças codificadas que, entretanto, em alguma extensão, apesar da questionável normalidade de “nós outros”, terminamos por reconhecer como possíveis manifestações nossas, e mesmo delas nos apropriamos de alguma forma. Por suas características, e num exercício de transversalidade, poderíamos formalmente comparar a obra de Bispo com as de outros artistas que, como ele, viveram as agruras do confinamento, ou mesmo apenas circunstanciais fases de depressão. Mas serão apenas nuanças a considerar nestes casos, tais como a repetição, a monocromia e a geografia em que se insere – sempre mentalmente – o artista. Georges Seurat, fundador do pontilhismo, por exemplo, apresenta uma obra construída pela repetição de milhares de pontos em diferentes cores sobre o suporte, dando forma ao objeto. Ora, a repetição é uma forte característica na obra de Bispo do Rosário, mas entre cada um daqueles compulsivos pontos de bordado se produz um denso raciocínio no lugar de um simples e mecânico ato ocupacional. Tomemos Armando Reverón, célebre artista venezuelano que esteve internado por muito tempo, optando finalmente por viver numa casa que construiu sobre uma árvore, onde edificou suas fronteiras geográficas - assim como Bispo o fez em sua cela -, e que apresenta-nos vários exemplares monocromáticos de uma obra por vezes considerada minimalista. O gesto minimalista não deixa de ser uma renúncia velada à vivência dos estímulos convencionais. É uma espécie de regressão conduzida aos poucos por uma linha de Ariadne até as origens da simplicidade. Edvard Munch, o autor de “O grito”, durante décadas produziu inúmeras versões de desenho, gravura e pintura de um mesmo retrato chamado “A menina doente”, em referência a uma irmã que perdera, ainda na infância, vítima de tuberculose. Edvard Munch era um homem profundamente depressivo. Sua obra tinha este caráter de insistência e repetição temática, aqui não pelo gestual, mas pela insistente reprodução memorial do trauma. Mas falávamos de Bispo do Rosário, cuja obra não é a de um Reverón, sob o prisma minimalista, nem a de um Munch, repetitiva e carregada da depressão de “um ser dito normal”, e menos ainda a de um Van Gogh, que poderíamos arrolar entre casos que tais, por seu gestual único, inimitável. Para resumir, pinçando dois casos de esquizofrenia, na fase minimalista de Reverón as cores são brandas e a mensagem do artista é suave e plana, quase invisível. Em Bispo do Rosário, as cores, apesar de limitadas, o são pela indisponibilidade de matéria prima. Já o artista profere um discurso veemente e até mesmo invasivo sobre nossa percepção, imprimindo a carga de sua vivência de marinheiro, de boxeador, de enxadrista e de leitor assíduo, exibindo razoável cultura e deixando vazar, malgrado sua condição mental, “certa normalidade”, assim como entendemos esta. Com os estandartes de suas Misses, por exemplo, Bispo funda uma geografia possível para si - e para nós -, porque não distanciada da realidade, e reproduz em detalhes, surpreendendo nossa cultura e memória, os nomes de países, cidades e locais reais que configuram, em suma, o nosso mesmo universo. Com seus singelos tabuleiros de xadrez, percebe o espaço e suas soluções, ou ainda, suas “possíveis saídas” ou “escapes” para o que apropriadamente, referindo-se à situação reclusa de Bispo do Rosário, situa a curadora da exposição, Helena Severo: “este universo onírico que configura aquilo que Freud chamou de “retirada de interesse pelo mundo, que, no limite, conduz ao abismo psicótico.” Por fim, entre todas as classificações imagináveis, e no que toca à percepção imediata, a arte de Bispo do Rosário encontra a mais importante delas: trata-se de uma obra poética, reveladora de inegável estética e repleta de significados que tomam e comovem o espectador. Paulo César do Amaral Outono de 2012 (*) Texto do autor, exprimindo o seu ponto de vista, como base para a reflexão do debate de 27 de abril de 2012, sobre a exposição de Arthur Bispo do Rosário, no Santander Cultural, Porto Alegre. Bibliografia: HODIN, J.P.. Edvard Munch GARCIA, Torres. La Ciudad sin Nombre LAZARO, Wilson, SEVERO. Helena. A poesia do fio

quarta-feira, 4 de abril de 2012

AQUELES NAVIOS PARAGUAIOS

Eu sou contra a retirada daqueles dois navios paraguaios que resistem em nossa orla há já uns quinze anos. Parecem decadentes, como se diz de tudo o que seja velho. Parecem ser desbotados, com suas torres de tintas descascadas, enferrujadas, carcomidas pelo tempo. Dizem que não somos nós, mas estes barcos que poluem o porto da cidade, embora eu não acredite no verdadeiro impacto que isso possa causar diante de tantas outras mazelas ao nosso redor. Suas torres, vistas daqui do meio da rua, ou por quem chega à cidade pela rodoviária, mais ou menos elevadas segundo a maré, ainda nos permitem lembrar que por trás daquele muro horrendo da Avenida Mauá existe um rio chamado Guaíba. Um rio que mesmo crianças de rua do Centro Histórico mal conhecem. Um rio que mesmo adultos já não vêem. Um rio que muitos já esqueceram. Querem vender os navios como sucata. Querem que se os talhem de vez com o maçarico, querem negociar as suas partes. Para que o aço ressurja um dia, quem sabe nos corpos de outras naves modernas, mas que serão apenas naves modernas, sem passado, sem história, sem alegrias e sem dores. Não se fazem mais navios como aqueles paraguaios, em nada falsos. São de uma natureza poética tão sentida como a da época em foram erguidos. São tão nobres que carregam nomes de brigadeiros. Não, não se os destruam. Navios são como charutos. Nunca se os apagam de um golpe. Ao invés, se os deixam morrer por si, depositados gentilmente em cinzeiros. Eles precisam fenecer com a dignidade de um velho guerreiro que por toda a vida serviu ao seu senhor. Deixem aqueles navios ali para que afundem, pouco a pouco, um milímetro a cada dia. E ao final, quando suas torres não mais se sustentarem sobre os cascos corroídos, que elas adernem à nossa vista acostumada só a ver as coisas cotidianas, habituadas a calcular os dividendos da sucata, nossas mentes incapacitadas de enxergar poesia no estertor dos ferros. Deixem aqueles navios ali, que eles ainda têm muito a nos dizer sobre a decadência que nós somos.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Porto Alegre no verão

Nada como Porto Alegre no verão. Cidade vazia, sinto-me como em minha cidade nos anos 60. Tudo quieto, sem e-mails, sem compromissos e tempo para pensar. E pintar.
Porto Alegre ( no verão ) é demais.