terça-feira, 1 de março de 2011

TEXTO SOBRE MOACYR SCLIAR PARA O JORNAL USINA DO PORTO

É difícil escrever sobre alguém que não se conheceu na intimidade, mas quando muito de passagem, e fazer isso justamente em homenagem a essa pessoa que se foi. Tive duas oportunidades de falar com Moacyr Scliar, ou, melhor dizendo, encontramo-nos durante duas atividades de trabalho. Uma vez foi no MARGS, para o lançamento do projeto do filme “O Exército de um Homem Só”, baseado em livro de sua autoria. A outra foi no Theatro São Pedro quando a convite da Federação Israelita do RS fui mediador de um debate após a exibição de estréia da peça “A Alma Imoral”, de Nilton Bonder, magnificamente interpretada pela atriz Clarice Niskier. Nas duas ocasiões – e ele era já imortal – deparei com um homem que de saída não sorria muito; ao contrário, parecia incomodado com alguma coisa. Quase emburrado. Depois, no decorrer de suas intervenções espirituosas a não mais poder em tais ocasiões, principalmente quando abordava o humor judaico do qual foi contador mestre, ele ia se soltando, ia esboçando certa familiaridade com o ambiente, e terminava num sorriso levemente aberto, revelador do homem verdadeiro que guardava escondido em si. Agora, de matéria pronta para este espaço no USINA DO PORTO que já ia ao prelo esta manhã, o Jorge Olup, nosso editor, me pede para escrever alguma coisa sobre o grande imortal da Academia Brasileira de Letras, que ocasionalmente escreveu para este jornal. Então ocorreu-me apenas repetir uma síntese de depoimentos que ouvi e li hoje sobre o Moacyr Scliar, dos quais sobressai a certeza de que ele foi um espírito agregador e um homem generoso. Talvez por sua humildade de toda a sorte, como aquela que o fazia repetir a história real de que em sua infância ele e os irmãos, que viviam com os pais pobres no Bom Fim, tinham os lençóis feitos de sacos de farinha usados. Talvez isso tenha formado o caráter de um homem frugal, visivelmente comedido nos chás da Academia, como conta Carlos Nejar, seu colega gaúcho de imortalidade. Scliar foi, como disse Affonso Romano de Sant’Anna, um escritor que construiu sua obra pelo trabalho metódico, disciplinado, isto é, folha sobre folha, capítulo sobre capítulo, sem preocupar-se com a fama. Incansável homem das letras, que deveria servir de modelo aos novos pretendentes escritores. Algumas vezes ele forneceu artigos aqui para o USINA DO PORTO, atendendo ao pedido de nosso editor, sempre em busca de matérias de qualidade. E escreveu de forma gratuita, com todo o desapego. A questão seria perguntar por que um escritor com mais de setenta obras traduzidas para dezenas de idiomas, articulista de jornais nacionais da maior envergadura, três vezes detentor do Prêmio Jabuti de Literatura atendia prontamente às solicitações do USINA DO PORTO. Faltou-nos alguma vez perguntar isso. É que Scliar prezava a cultura em geral, e a de sua cidade, Porto Alegre, em particular. Estes valores estavam acima de outros e constituíam em verdade a razão de sua existência como médico sanitarista e escritor notável. Atendia a todos e sempre que podia. A nós faltou a hora de agradecer-lhe para sempre e de todo o coração, porque não podíamos imaginar que ele ia partir tão cedo.


Paulo C. Amaral

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