quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Por que os artistas devem dar seu trabalho de graça

Achei interessante este texto do Marcelo Spalding, criador do site www.aristasgauchos.com.br, de grande sucesso entre nós. Pedi a ele autorização para reproduzi-lo aqui.


Sabe quanto um escritor ganha quando um livro seu é vendido? No melhor dos casos, 10%. Digamos R$ 3,00. Sabe quantos livros um autor vende por ano. Sendo otimista, mil livros. Bem otimista. Agora faça as contas: R$ 3000,00 por ano é suficiente para alguém viver da venda de livros? Não, decididamente não. Aí as alternativas são procurar um emprego “decente”, ter uns 50 livros publicados e em catálogo ou continuar dando murro em ponta de faca. E, em todos os casos, reclamando que o brasileiro não lê, que o governo não incentiva, etc, etc, etc.

Esse cenário, com uma ou outra variação, é o mesmo para todas as artes: um artista médio, competente mas não midiaticamente reconhecido, não tem espaço para seu trabalho e é muito mal remunerado por ele. A questão é: será um problema de mercado, do artista ou do sistema? Excluindo-se os casos em que é problema do artista, entre o mercado e o sistema eu diria que o problema é do sistema.

Dizem que o brasileiro não lê, mas você sabia que o Brasil é um dos dez países que mais vendem livros no mundo? Metade são livros didáticos, metade da metade são best-sellers e ainda tem os de auto-ajuda e espiritualidade. Além disso, pesquisas indicam que o brasileiro lê menos de três livros por ano. Três! Ou seja, nossa grande missão é, também, fazer com que as pessoas leiam mais (problema de marcado), mas o principal é fazer com que as pessoas leiam os nossos livros, e não os best-sellers (um problema de sistema).

Para a livraria e para a editora o melhor é que eles leiam o best-seller. Sai mais barato para eles imprimirem e a margem de lucro é muito maior. Então nossa única saída, na impossibilidade de fazermos um best-seller, é sair desse sistema.

Há vinte anos isso seriam absolutamente difícil, embora ainda assim possível, e que os digam os poetas marginais. Mas hoje, com a internet, temos uma grande oportunidade de estreitarmos nossa relação com o leitor e tirarmos os intermediários da jogada, criando uma vantagem competitiva enorme para os nossos livros em relação aos best-sellers.

Chris Anderson, em seu livro A Cauda Longa, afirma que se a indústria do entretenimento no século XX baseava-se em hits, a do século XXI se concentrará com a mesma intensidade em nichos: "Os consumidores estão mergulhando de cabeça nos catálogos, para vasculhar a longa lista de títulos disponíveis, muito além do que é oferecido na Blockbuster Video e na Tower Records. E quanto mais descobrem, mais gostam da novidade. À medida que se afastam dos caminhos conhecidos, concluem aos poucos que suas preferências não são tão convencionais quanto supunham (ou foram induzidos a acreditar pelo marketing, pela cultura de hits ou simplesmente pela falta de alternativas." (p. 15)

Dessa forma, é mais provável que um potencial leitor de seu livro o encontre navegando na internet do que passeando numa livraria. Muito mais provável. E nesse sentido não surpreende que muitos escritores estejam disponibilizando sua obra toda, de graça, em sites e blogs, numa última e desesperada tentativa de fazer circular algo que lhes deu tanto trabalho, e às vezes custou tanto dinheiro. E adianta? Sim e não.

Realmente o usuário que entrar em seu site ou blog, se identificar com a sua temática ou conhecer você terá a curiosidade de baixar o livro e talvez até leia alguma coisa. Mas para você ter mais acessos é preciso algum tipo de divulgação, investir nisso, e para fazer qualquer investimento, por menor que seja, é preciso dinheiro, que acaba não entrando quando você disponibiliza de graça o livro. Ou seja, é pior que os R$ 3,00 do modelo tradicional, supondo que você ainda consiga vender algo no modelo tradicional.

Um princípio de resposta pode estar em outro livro de Chris Anderson, Free: o futuro dos preços (Elsevier, 2009, 270 p.). O autor traz entrevistas, dados, episódios históricos e atuais para mostrar que os preços no mercado digital estão caindo tanto que logo chegarão a zero, e viveremos uma economia do Grátis. Só que isso, ao invés de apavorar quem atua nesse mercado está se mostrando extremamente lucrativo: as empresas estão ganhando ainda mais dinheiro com isso (basta vermos o Google).

No que tange à livros, Anderson dá alguns exemplos, entre eles o de Paulo Coelho, que brigou com sua editora para colocar seu livro mais popular, O Alquimista, no BitTorrent, gerando um renovado interesse pelo autor e transformando seu novo lançamento em um sucesso de vendas maior ainda (livro que, aliás, também está disponibilizado no BitTorrent). Anderson cita ainda um autor menos conhecido, que disponibilizou seu livro para download e colocou ao lado um link para doações voluntárias no PayPal: “das aproximadamente 8 mil pessoas que baixaram o livro, cerca de 6% pagaram, com preço médio de U$ 4,20)”.

O modelo mais completo de negócios para livros (e para artes) que o autor apresenta é do Flat World Knowledge, que disponibiliza a versão digital de TODOS os seus livros gratuitamente. E como eles vivem? Vendendo livros ou capítulos do livro impressos, versão em PDF imprimível, audiolivro em MP3, e-book para e-readers e por aí vai. Isso sem contar as palestras para as quais os autores são chamados, e que rendem muito mais do que a venda de 100 livros em livrarias.

Ao final Anderson irá ressaltar que “dar o que você faz não o tornará rico; você precisa pensar com criatividade em como converter a reputação e atenção que pode obter com o Grátis em dinheiro”. Mas, acrescento eu, às vezes é muito melhor não ganhar nada do que ganhar quase nada, como ocorrem com nossos contratos com as editoras (isso quando não pagamos para editar nossos livros). Porque não esqueça que ao ser editado por uma editora você cedeu os direitos sobre seu texto para ela, e às vezes teria sido muito mais lucrativo ter esse texto contemplado num concurso literário de sua cidade, inscrito em alguma lei de incentivo ou patrocinado por uma empresa privada em busca de estratégias de investimento em cultura.

Ou seja, caro artista, não tenha vergonha de dar seu trabalho de graça. Não todo ele, parte dele. Descubra qual parte você pode abrir ao seu público a fim de cativá-lo para que ele aí sim compre a outra parte, seja algum lançamento, uma versão impressa do livro, uma palestra ou show, uma camiseta autografada. O que não podemos é permanecer refém daqueles que não querem nos vender, preferem vender os best-sellers a nós, e ainda culpam disso o leitor, que sequer teve a chance de nos conhecer.

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