sexta-feira, 11 de junho de 2010

O MERIDIANO DE SÃO MARCOS, ou " O paradigma da Temporalidade "

Estava lá, sobre a parede. Eu vi. O relógio de São Marcos, marcando as oito e meia. Aos lados e embaixo dele, outros oito com os nomes de capitais: Tóquio, New York, Roma, Moscou... Então percebi que me encontrava numa metrópole. Num átimo, lembrei da Catedral de São Marcos, em Veneza, talvez pelo insistente vício em valorizar o que está longe de mim, no exterior, na Europa principalmente. E então me dei por ridículo, viajante desconhecedor do mundo, e, mais do que isso, ignorante da hora basilar da Humanidade. Foi assim que tudo aconteceu numa simples parada num posto de abastecimento, ao lado do qual se encontrava um hotel, e nele uma lanchonete na qual eu fatalmente iria encontrar um pastel, como de hábito faço quando tomo a estrada e paro para abastecer o carro. Parei de me preocupar com a própria natureza do pastel, quero dizer, se ele era feito na hora ou se era do dia anterior, porque o bom pastel – sempre – é aquele feito um dia antes, e que se come frio, suspendendo-o do prato com o auxílio de um guardanapo de papel que absorve aquela gordura natural de cor âmbar, alastrando-se em densas gotas sempre para um dos cantos do pires. E que não é de todo desprezível, pois confere à iguaria especial gosto e aroma. Este é o bom pastel. Mas, como eu dizia, era um mero posto de gasolina onde o frentista me aconselhou o hotel de estrada, onde pedi o pastel, já sentado ao balcão de onde, antes de ser servido, levantando os olhos ao acaso, deparei com o luminoso painel dos relógios no meio do qual se achava – hoje eu permito-me dizer – o da Capital do Tempo. Para quem ainda não descobriu o Paradigma da Temporalidade, em torno de São Marcos orbitam lugarejos menos luminares como Caxias do Sul, Ana Rech, Farroupilha, Lajes e Vacaria, e, num raio maior, cidades mais importantes que estas, mas ainda inferiores a São Marcos, como Porto Alegre, Montevideo e Buenos Aires. Perguntei ao dono da lanchonete como ele tinha tido aquele discernimento, isto é, a idéia do painel de relógios, ao que ele simplesmente respondeu: - Vi num lugar e copiei - sem dar-se conta da profundidade de minha pergunta e, menos ainda, da inocência de sua resposta, como observaria Bion, apenas com palavras mais contundentes. Pois foram os ingleses que copiaram São Marcos. E não só ele, o atendente da lanchonete, ignorava o fundamento daquele marco temporal, que faz jus ao nome do próprio Marcos, evangelista padroeiro de todos os marcos do Universo ( esta apenas uma interpretação minha, de caráter semiótico, quase psicanalítico ), mas também eu que, me entregando ali ao desvendar completo da sabedoria, descobri não estar simplesmente em frente de um conjunto de relógios, o de São Marcos no meio, mas sim diante da Hora Basilar da Humanidade, erroneamente, e desde sempre, por uma convenção qualquer, localizada em Greenwich, na Inglaterra. Que se danem os britânicos ! Por que não ? -, me indaguei abençoado por me encontrar ali em São Marcos, onde, graças ao tanque vazio do carro, à fome passageira, à minha cultura sobre pastéis de estrada e ao conselho do frentista, e lembrando-me do amigo Leonardo Francischelli, que há tempos apregoava a importância geopolítica de sua terra natal, graças a tudo isso, descobri que me encontrava onde Deus fundiu o Cronômetro do Mundo, o Meridiano de São Marcos, que por essas baldas de nosso complexo de inferioridade relutamos pusilânimes em aceitar como verdade.

Para o me amigo Leonardo Francischelli em seus 70 anos astúcia.

3 comentários:

  1. Pastel de estrada e de vento coloca a cabeça para funcionar e desvia mesmo os ponteiros, gira ao avesso, trazendo a tona o que deveria estar na superfície e o tal complexo de inferioridade ou de porco que tanto nos rodeia.

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  2. Paulo,

    Gostei muito do teu texto. Troco os pastéis de São Marcos pelo pelo melhor prato de qualquer restaurante do Rio, sem titubear, pois sua mera lembrança me transporta para o tempo em que por lá eu transitava com minhas irmãs, minha mãe e minha avó. Obrigado pelo texto que tantas recordações boas me trouxe. Descobri pelo seu texto que São Marcos além de ser o referencial para hora basilar do mundo, tem também a máquina do tempo.

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  3. Bípede: Agora, pelo teu comentário, e lembrando de minha experiência transcendental em São Marcos, entendi a história das porcas.

    Terráqueo: Mas existe alguma coisa melhor que um pastel na metade do caminho ? Há sempre um pastel na metade do caminho. Na metade do caminho, um pastel. Na metade do pastel, ah, já nem sei mais o poema, mas que é bom, isso é.

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